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sábado, 2 de março de 2013

Levava um jarrinho

Andava ela com o meu livro do segundo ano de um lado para o outro, e disse-me "Mana faz-me um ditado de um poema do teu livro", peguei no livro encadernado pela minha mãe com papel simples, reconheci o cantinho cortado a tesoura, cortesia do meu irmão naqueles tempos, motivado por uma qualquer briga e um método eficaz de me deixar severamente irritada tendo em conta o modo meticuloso com que eu tratava os meus livros escolares. Desfolhei um pouco e perdi-me a olhar os textos, os desenhos as adivinhas, os provérbios as questões que lhe preenchiam as páginas... Fui acordada pelo seu olhar impaciente "Então mana, anda lá escolhe um poema para me fazeres um ditado", não tive dúvidas em escolher aquele que foi o primeiro poema que decorei de um modo tão natural como se bebe um copo de água, cada palavra foi memorizada até hoje, sem que tivesse de o fazer, fixei-o porque o li tantas vezes que a minha memória fez questão de o reter, e pela primeira vez reparei que era da autoria de Fernando Pessoa... Tão simples e tão complexo em simultâneo como só ele sabia ser...

Levava eu um jarrinho
Para ir buscar vinho
Levava um tostão
Para comprar pão:
E levava uma fita
Para ir bonita.

Correu atrás
De mim um rapaz:
Foi o jarro para o chão,
Perdi o tostão,
Rasgou-se-e a fita...
Vejam que desdita!

Se eu não levasse um jarrinho
Nem fosse buscar vinho,
Nem trouxesse uma fita
Para ir bonita,
Nem corresse atrás
De mim um rapaz
Para ver o que eu fazia,
Nada disto acontecia.

Fernando Pessoa