quarta-feira, 6 de março de 2013

Estranha forma de amar...

A Inês conheceu o Diniz numa noite quente de Verão quando orgulhoso o povo utilizava o símbolo da selecção na lapela e se vestiam e revestiam com vermelho e verde da bandeira, a única altura em que isso acontece, no restante tempo é parolo, ainda que utilizar bandeiras de outros países e nomes na roupa seja algo muito trendy  e super fashion, mas não divaguemos, esse foi o cenário em que eles se conheceram, e e se aproximaram e se entre olharam com sorrisos trocados. Uns dias depois quando Inês estava em casa sentada à janela virada para a foz do Douro, hábito que ela tinha e de que tanto gostava, com o luar ao fundo ele beijou-a... Estavam apaixonados. E tudo eram flores, era um doce de homem, um doce de mulher feitos um para o outro... As flores vêm com algumas restrições, mas o principal é que tudo eram flores. Começou com coisas simples como, "Porque colocas tanto Nestum no leite? Não coloques tanto Nestum" ao que ela respondia "porque eu gosto assim", mas quando dava conta já comia o seu Nestum com leite como ele queria que ela comesse. Sem que se apercebesse, os seus amigos eram os dele. Bem amigos é uma forma de dizer. Sem que se apercebesse um dia permitiu que ele atendesse o seu telemóvel com uma chamada de um amigo um pouco tardia, nove da noite, a desancá-lo a humilhá-lo porque aquilo não eram horas de ligar para a sua namorada, este sua namorada estava  tão carregado de sentimento de posse... sem que ela se apercebesse. Este amigo nunca mais lhe falou! Sem que se apercebesse estava proibida de falar com homens excepto se fosse estritamente necessário, porque toda e qualquer conversa de circunstância era para ele um flirt, uma potencial traição. Mas tudo eram rosas e valia a pena lutar por aquele amor(??).  
Sem que ela se apercebesse ele seguia-a até à faculdade quando ela dizia que não valia a pena estar a levá-la.
Sem que ela se apercebesse tudo eram chantagens, términos de namoro vários à mínima falha(?). Ela chorava compulsivamente a implorar-lhe que ele não partisse a prometer que ia ser melhor, que iria ser exactamente como ele queria que ela fosse, mas que não a deixasse por favor e ele ficava... O seu objectivo não era nunca deixá-la, apenas chantagem emocional. Mas tudo eram rosas.

Um dia, nesse dia, nesse inicio de noite ela recebeu uma chamada que durou meio segundo, aquilo que se chamavam toques muito em moda nessa altura, de um número privado e mostrou-lhe, furioso queria ficar-lhe com o telemóvel, a Inês agarrou o telemóvel com tanta força contra o peito como se de agarrar a sua dignidade se tratasse,  ele empurrou-a, ele agarrou-a com toda a força pelos braços, pelos pulsos, ela chorava e não desistia, ele furioso gritava "vou ficar com isso!" e ela respondia "não, não vais!". Nessa noite ela saiu. No dia seguinte contemplou as nódoas negras nos pulsos, nos braços nos ombros... Quanta força foi precisa para fazer tamanho estrago? Era frágil e ficava com nódoas negras facilmente mas nunca se tinha observado assim...

Dois dias depois ele ligou, precisava de estar com ela, pediu desculpa, ela disse que precisava de mais umas horas e pediu para ir ter com ela à noite, facto que o deixou furioso sem que ela se apercebesse. Ela reflectiu e  subitamente estava cheia de vontade de rever o seu amor, o que iríamos fazer naquela noite maravilhosa de reconciliação? Cinema Jantar? Mas o cenário que ela encontrou foi outro, o seu olhar de olhos negros e profundos feito, que era tão meigo na maioria do tempo estava enevoado de raiva "Porque é que só quisestes estar comigo agora a noite? Estavas com alguém não estavas?"   Palavras que deram o mote à discussão, feia por sinal... Ao primeiro pronunciar dele "Olha que eu assim deixo-te Inês" ela disse... "Para mim basta! deixa-me em casa..." Ele furioso disse "Para ti basta? Para mim é que chega! Vou deixar-te sim longe de mim que já não te posso ver!"...

Esse basta não foi suficiente para evitar as primeiras e tentadoras tentativas dele de uma reconciliação, nem as ameaças e insultos anónimos que se seguiram face as negas... Mas foi a primeira libertação dela! 
Num relacionamento, deve haver respeito mútuo e devem sim dar-se satisfações, mas nenhuma mulher é propriedade de algum homem, nem nenhum homem é propriedade de nenhuma mulher.

Um dia pulsos negros e nódoas negras nos braços... E a seguir? O que viria?
(História fictícia, qualquer semelhança com factos,
 pessoas ou acontecimentos é mera coincidência)


Que situação estranha é a violência no namoro e em qualquer altura, que estranha forma de amar...
Uma vez ouvi, de uma mulher muito sábia e com uma vida longa: "rapaz que não te trata bem no namoro, nunca te há-de tratar bem. Se não te trata bem para te conquistar vai tratar-te bem depois de te ter?"

Hoje não é dia mundial, nem nacional nem municipal contra a violência doméstica, hoje é o dia em que deve ser combatida, tal como nos restantes... Amanhã pode ser demasiado tarde.

Porque há muita Inês, Dinis, Joana,  Pedro, Ana, Afonso, Lurdes... Que se calam! E às vezes... É para sempre!



Stop violence against everyone!

Que se acabe a violência contra todos!



Também não farias anos hoje, nem faz anos que passámos semanas maravilhosas de férias de Verão, também não faz anos que te foste, hoje é um dia como outro qualquer... Em que guardo e recordo o teu sorriso, a última recordação que tenho de ti antes que a tua vida fosse ceifada por quem dizia que te amava, e que queria casar contigo.

36 comentários:

  1. Não sei que te escreva. Sinto a profundidade da tua dor e não sei como consolar-te, porque não há consolo suficiente.
    Deixo-te um abraço.

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    1. Uma Rapariga Simples, a história é fictícia, é um alerta, as últimas 4 linhas do post são reais mas já passaram anos, o luto foi feito ficaram as memórias...

      Um abraço também para ti*

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    2. Entendi exactamente isso, mas mesmo tendo passado anos, fica sempre a perda e a dor a ela associada, mesmo que amenizada.

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    3. Sim... Aliás, ontem pensei tanto na pessoa em questão, que senti necessidade de escrever este texto. No fundo foi essa a real motivação.

      Esses casos existem mesmo, não são rodapés fictícios de jornais!

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  2. Acho sempre de louvar este tipo de alertas...dado que cada vez mais se vê violência nos namoros. Pior mesmo e que muita gente vive bem assim, por vezes ate preferem este ambiente a estar com alguém bom. Mas lembro que também acontece a eles e se calhar com mais frequência que, a violência com as mulheres, a força é que é diferente.

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    1. Que bom ler-te por aqui... O teu comentário podia ser o meu, é importante que a violência se combata em todas as vertentes, e sim cada vez há mais homens vitimas de violência por parte de mulheres, só que é mais raro haver marcas visíveis.

      Abraço

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  3. Poppy, gostei de ler a tua história fictícia mas real. Todos os dias real. Também não compreendo, mas o certo é que é uma realidade demasiado presente na vida de demasiadas mulheres. Obrigada pelas palavras e pela lembrança que nunca é demais. Um beijinho

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    1. Helena, sim a história é feita com trechos daqui e acolá, trechos esses que infelizmente são reais. É uma realidade presente na vida de mulheres e homens, uma realidade que deveria ser ficção!

      Um beijinho

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  4. Wow, texto carregado de sentido e de sentimento...

    Concordo com tudo o que escreveste, qualquer acto de violência numa relação é condenável.

    Um beijinho e muita força

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    1. Roger, o texto da Inês e do Diniz é ficção, mas representa a realidade de muita gente...

      Quanto às últimas linhas do post ainda que reais, como disse à Rapariga Simples, já aconteceu há anos, o luto foi feito,mas é importante não esquecer-mos as pessoas.

      Beijinhos

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  5. A violência, a manipulação de pessoas, as exigências deixam-me sofrida , vejo todos os dias esta realidade e o que mais me incomoda é quando digo.. mas tem que tomar uma atitude, sair de casa, fazer queixa à policia, me dizem ah e tal... ele é muito bom, fez isto porque bebeu um copito, ou porque teve ciúmes, ou porque a culpada até fui eu... revolta-me. Nunca deixar passar a primeira vez! Nunca!

    Gosto sempre de te ler.

    Beijinho grande

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    1. AC, tu deves lidar com cada caso mais arrepiante no teu trabalho :/ deve ser de dar nó na garganta...

      Obrigado pelas tuas palavras.

      Beijinhos grande*

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  6. Sou contra a violência, contra todo o tipo de violência.

    E também é verdade que a culpa muita vez é de quem cala .

    Beijinho

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    1. JP, é verdade... É como eu digo, uma estranha forma de amar, de ambos os lados.

      Beijinho

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  7. Continuo a achar estranhíssimo que algumas mulheres se deixem cegar por esses "amores", algumas chegando a casar para ter uma vida de violência e maus tratos. Porque é certo que os primeiros sinais estão lá, nessa maneira de lhes manipular a vida, mesmo que nos tempos de namoro nem cheguem a bater-lhes. E ciúmes doentios estragam qualquer relação!

    E sim, todos os dias são bons para lutar contra a violência doméstica, num casal, no namoro ou até noutras circunstâncias. Homem que é homem não espanca mulheres!

    Beijocas!

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    1. Teté, é estranhíssimo mesmo mas acontece sim... Por vezes há quem não saiba interpretar sequer os primeiros sinais, quando começa a haver muita manipulação é estranho logo de base, ninguém é propriedade de ninguém, e ainda que inicialmente sejam muito bem tratados assim que quiserem por os olhinhos fora do mundinho em que foram encarcerados é tarde de mais.

      Todos os dias são dias de lutar por causas importantes!

      Beijocas

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  8. A história pode ser fictícia mas, infelizmente, há muitos casos desses na vida real. Nunca consegui perceber como é que uma mulher se pode deixar humilhar a esse ponto!

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    1. Carlos a história é fictícia mas acontece a todo instante histórias destas...

      Mulheres e Homens, porque cada vez há mais homens que se deixam submeter a níveis de humilhação preocupantes.

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  9. São muito sentidas as palavras que escreveste porque te tocaram na pele. Nao a tua mas uma que te faz sentir a dor que lhe passa. É uma realidade que nao sei aceitar. Nao nestes dias. Ou ainda menos nestes dias. E a começar tão cedo na vida pois há casos a começar nos namoricos da escola. É preciso falta de autoestima ou subserviência atroz ou pavor a ficar só para permiter ser-se um joguete nas mãos de gente mesquinha assim. Nenhuma vítima é cega mas enganar-se a si propria de forma consciente, embora nao o assuma jamais. Ate a dor e acumulação de mazelas forçar uma reacção

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    1. Pusinko, este texto era mesmo para realçar a situação do namoro, há limites para tudo!

      Sim tocou-me na pele.

      Beijinhos

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  10. Explique isso às luminárias de Macau que recusam a ideia do crime de violência doméstica como crime público em nome da "harmonia familiar" (sic).
    Precisamente aquilo que não existe.
    Beijinhos

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    1. Pedro lembro-me bem quando falou isso fiquei tão chocada, mantenho a situação que eu disse, se for uma criança a ser vitima de violência doméstica é ela que tem de ir ao posto das forças policiais fazer denuncia? Ninguém entende :/

      Beijinhos

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  11. todos os dias são dias de quem se quer bem
    todos os dias são dias de fazer guerra ao que está mal
    acredito que o primeiro passo a dar é mostrar, olhos nos olhos, que não há medo mas muita força interior para dar o troco...
    quem pratica a violência, seja em mulheres, crianças ou homens [pq tb eles são por vezes vitimas, é preciso não esquecer...] fá-lo não com a certeza da sua superioridade física, mas pela certeza do medo da sua vítima

    encontrei-te no JP, o teu comentário fez-me sorrir :)))
    desculpa o atrevimento...

    adorei o teu blog

    beijinho

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    1. Sê muito bem vinda Vento :) Ainda bem que o meu comentário te fez sorrir, que isto não podem ser só desgraças.

      Superioridade física ou superioridade emocional! Não esquecer que a violência não é só física.

      Beijinhos

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  12. Um tema tão polémico e tão triste que acompanha a humanidade desde sempre...nenhuma mulher nem nenhum homem deve permitir esse tipo de violência (nem física nem psicológica) há primeira tentativa devem deixar essa pessoa e mudar de vida....mas nem sempre é assim e por vezes os finais são trágicos! Nunca é demais alertar para que se termine com a violência!

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    1. Jovem Sonhadora, é verdade, o objectivo foi mesmo alertar...

      Beijinhos

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  13. Quantas, mas quantas mulheres passam por situações semelhantes? E quantos homens também já vão sendo igualmente vítimas? É uma tristeza quando um sentimento como o Amor, se converte numa doença perigosa e muitas vezes assassina.

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    1. Sim Bendita, porque quando acontecem estas coisas isto não é amor, é sentimento de posse.

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  14. Tive um exemplo de um "amor" assim meio retorcido bem perto de mim... na minha própria casa: o dos meus pais. E decidi, mesmo inconscientemente, mas essa certeza fico-me bem gravada: a de que não vou nunca passar pelo mesmo. Sei que é arriscado dizer "nunca". E admirei muito a forma inteligente como fizeste ver que estas coisas começam por pequenos nadas... mas tenho a certeza que nunca vou estar ali. E isto é uma coisa que cada pessoa precisa decidir para si própria.

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    1. Briseis, nem imagino como será lidar tão de perto com uma situação assim tão grave...
      Nessas situações com filhos o sofrimento alarga-se ainda mais, e marca os filhos muito na sua vida futura.

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  15. Que inspiração miúda!

    Post fantástico! Os meus parabéns!

    Bjo*

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    1. Obrigado... Pena que o tema de inspiração seja ao mesmo tempo um tema assim triste.

      Beijos

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  16. Olá Poppy :) Passei por aqui para te deixar a minha nova morada: http://arcodenovecores.blogspot.pt/
    Fico à espera da tua visita :)
    Um beijinho, Helena

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    1. Já me instalei no novo cantinho Helena.

      Beijinhos e obrigado por me dizeres.

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  17. Repugna-me a violência!

    Esta tua história torna-se dramática, porque é baseada numa perda de uma amiga...infelizmente, são os exemplos negros da vida que nos fazem alertar para situações anormais, de muita dor.

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    1. NightDark, a história de que falo não tem nada a ver com o que aconteceu com a minha amiga que se foi, na questão da minha amiga o sentimento de posse estava latente mas não estava manifesto, foi um tremendo choque e surpresa. Foi movida por aquela máxima tão infelizmente comum do "não és minha não vais ser de mais ninguém".

      São histórias horríveis e sem descrição possível, são estranhas formas de amar :/

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