sábado, 2 de março de 2013

Levava um jarrinho

Andava ela com o meu livro do segundo ano de um lado para o outro, e disse-me "Mana faz-me um ditado de um poema do teu livro", peguei no livro encadernado pela minha mãe com papel simples, reconheci o cantinho cortado a tesoura, cortesia do meu irmão naqueles tempos, motivado por uma qualquer briga e um método eficaz de me deixar severamente irritada tendo em conta o modo meticuloso com que eu tratava os meus livros escolares. Desfolhei um pouco e perdi-me a olhar os textos, os desenhos as adivinhas, os provérbios as questões que lhe preenchiam as páginas... Fui acordada pelo seu olhar impaciente "Então mana, anda lá escolhe um poema para me fazeres um ditado", não tive dúvidas em escolher aquele que foi o primeiro poema que decorei de um modo tão natural como se bebe um copo de água, cada palavra foi memorizada até hoje, sem que tivesse de o fazer, fixei-o porque o li tantas vezes que a minha memória fez questão de o reter, e pela primeira vez reparei que era da autoria de Fernando Pessoa... Tão simples e tão complexo em simultâneo como só ele sabia ser...

Levava eu um jarrinho
Para ir buscar vinho
Levava um tostão
Para comprar pão:
E levava uma fita
Para ir bonita.

Correu atrás
De mim um rapaz:
Foi o jarro para o chão,
Perdi o tostão,
Rasgou-se-e a fita...
Vejam que desdita!

Se eu não levasse um jarrinho
Nem fosse buscar vinho,
Nem trouxesse uma fita
Para ir bonita,
Nem corresse atrás
De mim um rapaz
Para ver o que eu fazia,
Nada disto acontecia.

Fernando Pessoa


23 comentários:

  1. Recordo bem este poema :)
    Foi este que ditaste à mana?

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  2. Gostei da partilha. :)

    beijinhos

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  3. E foi muito bem escolhido. Só foi pena o jarro partir-se....

    Será que o rapaz, que correu atrás dela, a recompensou?

    Beijinho

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    1. JP, o poema é de Fernando Pessoa, não podia levantar questões simples pois não? O que será que aconteceu?

      Beijinhos

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  4. Bem escolhido!!
    Beijinho e votos de boa semana!

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    1. Obrigado Pedro :) Olhe que foi preciso este episódio (que já tinha recordado um dia destes na caixa de comentários da Teté) para me aperceber que o poema era do grande Fernando Pessoa!

      Beijinhos

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  5. Já não me lembrava deste poema! Obrigado pela recordação.

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    1. O primeiro não se esquece não é o que dizem? Foi o primeiro poema que me recordo de ler e conhecer e memorizar :)

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  6. Sim, eu lembro-me deste poema maravilhosa e enganadoramente simples! É a filosofia do "se" - tudo o que cabe no que é imponderável...
    Que saudades! Trouxeste-me memórias antigas, Poppy.
    Um beijinho

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    1. Lou Salomé, sim é enganadoramente simples, no entanto, sabes aquela questão do chapéu ou da cobra que comeu o elefante do Princepezinho?

      É complexo, mas a ingenuidade de uma criança é perita em desfazer complexidade, tenho pena de não encontrar poemas de Fernando Pessoa nos livros da minha irmã, ou procurei mal, ou não aparecem mesmo.

      Beijinhos

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  7. Saudades deste poema...guardado na lonjura dos tempos. Foi bom recordá-lo...
    Beijo amigo
    Graça

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  8. Só mesmo tu para fazer estes posts amorosos, com coisas que todos conhecemos mas às quais já não damos atenção ou lembrança... foi bom o sorriso que proporcionaste!

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    1. Até me deixas sem jeito, um dia destes tinha partilhado traços desta história numa caixa de comentários da Teté, andava com vontade de partilhar o poema, assim emoldurei-o nesta história que já aconteceu há um tempito, na altura do Natal talvez se não estou em erro...

      :)*

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  9. Respostas
    1. NighDark Fernando Pessoa era assim mesmo... Surpreendente!

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  10. Robson, tem versos meus neste blogue mas não é o caso deste que é de Fernando Pessoa :)

    Visitarei sim*

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  11. Que versos tão engraçados. Não conhecia esse poema de Pessoa. :)

    Beijinhos

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    1. Teté, acho que tinha partilhado contigo há tempos trechos deste episódio :) Mas já não me recordo se cheguei a dizer o nome do poema!

      Beijocas

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  12. lindo poema tive que fazer eu fis deze m trabalho para a escola

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